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Uma lição de um Desaguar: a profissionalização do ator

A 13ª Mostra Desaguar do Centro de Educação Profissional em Artes Basileu França, que apresentou os espetáculos teatrais de formatura de alunos-atores nos dias 18 a 22 de novembro de 2014, me mostrou um pouco do que talvez eu apenas suspeitasse durante meus dois anos de estudo neste Teatro-Escola e me recordou importantes referências vivas e cotidianas durante meu processo de formação.

Na verdade, sou especialista de generalidades humanas. Estudo comunicação e teatro, coisas que todo mundo nasce fazendo, coisas sem as quais a humanidade não seria. Atividades profissionais que sempre causam controvérsias burocráticas. O jornalismo perde seu diploma e todo mundo já fez 'teatrin'. Meu pêndulo balança muito para a comunicação popular e para o teatro do oprimido... Minha experiência até agora já me deu suficientes provas de que, como ferramentas pedagógicas, são libertadoras da condição humana.

Por outro lado, meu pêndulo percebe o artista em si mesmo e sua investida profissional. A despeito dos talentos e aptidões, há muito estudo e dedicação, há muita dor e resignação para apresentar uma criação do espírito no mundo material, por meio das linguagens, dos códigos que promovem o sentido. Quão parcos são os recursos para tal! E, por isso, a arte exige militância política, ainda mais em um Estado de Goiás que não libera o Fundo (de Cultura) e propõe a extinção de sua secretaria em uma reforma administrativa; críticas que puderam ser atualizadas nas peças "Trapézio em preto e branco" e "MacBrecht" durante a Mostra.

Cena de abertura do espetáculo Trapézio em preto e branco
Para as profissões que habitualmente não têm seu status questionado, sempre se exige qualificação e especialização que promovem sua profissionalização: um curso de extensão ou de línguas, constantes leituras, um arcabouço de cultura acumulada etc. Para a profissão do ator (que dentre as artes acaba ainda mais subjulgada ao comum às vezes por ser e não ser ao mesmo tempo música, dança, canto, circo, arte gráfica etc) também grande e árduo processo é requisito.

Reparemos como, em “MacBrecht”, exercício cênico sobre teatro épico dirigido por Luciano Luc, o ator Eduardo Oliveira canta aut deutsch (em alemão), "Die voritat von mackie messer", enquanto seu colega Thiago Harley toca piano e Rafael Freitas desenvolve ampla performance de jogo corporal. No outro espetáculo já mencionado, “Trapézio em preto e branco”, dirigido por Rubens Rodrigues, a jovem atriz Sarah Pereira se apresentou como uma trapezista e o ator Kesley Rocha multiplicou números de mágico. Inúmeros exemplos podem ser retirados de qualquer das doze apresentações, desde as intervenções apresentadas pelo grupo Corpo Cênico e pelos estudantes de nível técnico até os projetos com as crianças em “Revolução de seda”, dirigido por Marlos Pedrosa e Onira Tancrede. Quanta aptidão e quanta pesquisa! Quanto trabalho e quanta arte!

Trabalhos do Teatro Destinatário, da Cia Ooops, do Espaço Sonhus Ritual, do Arte&Fatos, dos Gladiatores, do Teatro Ser (do qual faço parte), dentre outros, são alguns dos mais atuais exemplos de apropriação da arte teatral no diálogo social pela formação dos atores e, tão importante quanto, do público. Senhoras e senhores, apreciemos a arte teatral goiana, observando quanto esforço e quanta beleza compartilham este meio.


* João Damasio é jornalista, mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e ator-pesquisador da Cia Teatro Ser, recém-formado em Interpretação Teatral no CEP Basileu França.

Comentários

  1. Belas e sinceras palavras meu caro. Infelizmente, em Goiás a arte verdadeira está mascarada por conta de um governo sem escrúpulos, enquanto isso oferece apenas uma cultura do passatempo.

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    1. É vero, que a arte possa se reinventar politicamente também em nosso estado.

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  2. João, parabéns pelo texto, por sua formação e principalmente por essa sensibilidade que tanto te guia e te motiva quanto transparece no que você faz. É muito legal que possamos, e vc consegue, expressar nossas questões e nosso espírito no que produzimos. Seu texto tem isso, sua peça tem isso. Parabens! Siga em frente!

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    1. Grande Rafael! To aqui: "quem é maricotO?" kkk... Obrigado pelas palavras e simbora adiante: na comunicação e no teatro, hehe. Vi que tem blog, adorei! Vou visitar sempre.

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    2. Menino, percebi q o ultimo post é de 2010. já tem mais de quatro anos e senti daqueles tapas que o tempo nos dá.. Mas deu vontade de escrever de novo... quem sabe. ; )

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    3. Ual, escreve mesmo. Mas aquilo já é um arcabouço e tanto!

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