Pular para o conteúdo principal

O corvo diz nunca mais

publicado originalmente no Jornal Araguaia, 2011/1.

Ícone mundial do mau agouro, o corvo vem de longe. De 1845. Quando nem mídia existia. Ele vem atazanar o século XXI com sua famosíssima elocução transcrita por Edgar Allan Poe: “Disse o corvo, ‘Nunca mais’.”
Clamores pretéritos não encorajam a juventude que só ouviu o corvo. Os jovens dos anos 60, velhos de hoje em dia, nos dizem: Não há nem sinal das frases de outrora, a juventude morreu! Isolados em qualquer boate, os tatuados e os roqueiros não gritam mais o hino pinkfloydiano, Another brick in the wall. Ah, esses roqueiros de hoje em dia curtem frases curtas, ritmos mansinhos... E repetem “Que você me adora e que me acha foda”, como grito de guerra. Tem base?
De que nos valeu a Diretas Já nos anos 80 ou a Eco 92 e o Protocolo de Kioto? Afinal, hoje o mundo explode em corrupção e desmatamento e os jovens não estão nem ai. Ouvi dizer que existe o Coletivo Jovem de Meio Ambiente, mas para eles a saída é educação ambiental. Que educação ambiental que nada! O certo é punir e castigar os destruidores da Amazônia! Não é? E eles ainda me chamam de ignorante.
Antigamente, havia movimentação e protesto dos Black Powers e dos punks. Já hoje, não vejo mais do que esses jovenzinhos calça-pintada, na vibe de roupas coladas e coloridas a la Restart (que é isso mesmo hein? Ah, sim, uma banda pop!). Prossigamos.
Ilustração: Vinicius Kran
Para finalizar, o pessoal ainda vem me dizer que hoje em dia, tudo você pode fazer pela internet. Melhorar o mundo pela internet? Ah, tenha dó! Outro dia me contaram que existe um site chamado www.avaaz.org e que, a partir dele, milhões de pessoas se manifestavam. Mas cadê as cornetas? E as faixas enormes? Não vão mais sair às ruas?
Bom, dizem que isso tudo é só uma forma diferente de se manifestar num tempo de transformações midiáticas, mas, por enquanto, acho que alguém tem que falar, alguém tem que bradar. Eu só ouço o corvo dizer que nunca, nunca mais irei reencontrar aquele tempo... E no fim das contas, eu sou o corvo.

Comentários

  1. Nossa, meus parabéns viu ! Este pra mim é um de seus melhores textos...
    No começo fiquei meio assim, "uaaai, mas cadê o João, quem é esse escrevendo aqui?", mas ao longo do texto fui entendendo sua ideia e achei muito boa.
    E querendo ou não temos que concordar com algumas coisas que o corvo fala não? Afinal nossa geração ficou um pouco "acomodada" com tudo e quase sem reação pra nada - salvo as devidas exceções...

    ResponderExcluir
  2. Você tem as mesmas referências que eu, Du. Deu pra sacar qual é a do texto né...
    Alguns podem não entender muito bem, rsrs.

    ResponderExcluir
  3. Adorei!
    3 grandes Rôu's pro corvo.
    Mas uma pegada.. será que a atual conjutura é a mesma do 'passado' onde possibilitava esses 'jovens' se mobilizarem? será que hoje a pegada não tá bem mais 'avançada' que poucos ou talvez quem sabe, nenhum conseguiu idealizá-la ainda.. vamos corvando e rouzando ^^,
    massa!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

AUTODIAGNÓSTICO: Com toda beleza e abominação.

Todos prometem (e não cumprem) coisas no ano novo, eu não prometo nada. Como flecha de ano novo, encerro 2010 e inicio 2011 com meu autodiagnóstico, encerrando a série "Diagnósticos" do meu blog. Ficha Paciente: João Damásio da Silva Neto. Perfil: http://www.twitter.com/joaodamasio Idade: 19 anos. Cidade: Palmelo/Goiânia - GO. Ocupação: Acadêmico de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Restrições apresentadas: Egoísmo caótico que desregula a timidez. Prescrições: Nunca permitir mais de uma hora ociosa. Diagnóstico rápido: Antagonismo ao espelho. Diagnóstico completo (para quem ousa entender): Única regra para quem ler este diagnóstico: Tudo é mentira! Ora, como pode alguém se autodiagnosticar com sinceridade? Coisa de louco! Mas é minha obrigação, afinal fui ensinado a não julgar e estes diagnósticos mensais onde descrevo todo mundo nos ínfimos detalhes alcançados pela minha pouca visão não é menos que julgamento. Então, que pelo meno...

Diagnóstico - Giivago Barbosa

Ficha Paciente: Giivago Barbosa de Oliveira. Perfil: http://www.twitter.com/giivago Idade: 17 anos. Cidade: Goiânia / GO. Ocupação: Estudante. Restrições apresentadas: Gota de radicalismo motivada por convicção plena. Prescrições: Auto-moderação emocional. Diagnóstico rápido: Anacronismo criativo. Diagnóstico completo (para quem ousa entender): Caso surpreendente! Nunca avistei uma composição humana assim num jovem de dezessete anos. As dosagens de sua racionalidade são desmedidas, outro em seu lugar, seria um louco! Este garoto me parece um ser anacrônico que possui certo poder que desperta nos seus próximos a sensação inversa, sentem-se anacrônicos também. Como “He Man”, ele tem a força. Uma força incomparável. Sua presença é agente de mudanças no ambiente, quem tem olhos de ver isto é capaz de se impressionar com o campo magnético que caminha contíguo. A grande questão é saber se isto é um problema ou uma grande virtude. Detecto que são os dois ao mesmo...

Brega para roqueiros

Todo bom roqueiro roqueiro é bom desde quando? enche a boca para falar da banda preferida, dos solos, das letras, da atitude punk, do histórico, das referências... Eu sou assim também. Tudo certo até o momento que as baladas rock lotaram ao som do brega. Banda Uó - o boom do eletrobrega, orgulho de muito goiano A tendência, pela primeira vez na história desse país (jargões neste texto são bem propositais e adequados), vem de Goiás, da terra conhecida nacionalmente por uma manutenção dos “valores da roça” e do sertanejo que não está no sertão, onde a maior inovação é o sertanejo universitário que não saiu do primário. Banda Uó! Este é o nome do brega que quebrou a armadura dos roqueiros goianos. Longe de ser preferência dos bregas de verdade que curtem as produções das loiras paraenses que passam na TV, a Banda Uó é considera matéria Cult. É assunto das rodas de bate-papo da elite cultural goiana e até dos “ralé”, como eu. Relutei meses para admitir que a tal da Banda Uó m...